Publicado em: 28/03/2022 15:39:09
Carta aberta às comunidades acadêmicas e à sociedade: Em defesa da educação democrática, das garantias de direitos aos povos indígenas, e pelo fim das invasões às salas virtuais dos eventos acadêmicos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
CAMPUS DE PORTO VELHO
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Carta aberta às comunidades acadêmicas e à sociedade:
Em defesa da educação democrática, das garantias de direitos aos povos indígenas, e pelo fim das invasões as salas virtuais dos eventos acadêmicos
O esclarecimento da “condição humana” é fundamental para a espécie Homo Sapiens sapiens. Um dos sentidos importantes desta classificação denomina que nós somos uma espécie cuja existência depende da contínua produção e transmissão de conhecimentos, pois não nascemos com os saberes necessários para vivermos uma vida humana, inscritos em nosso organismo (DNA): línguas, regras sociais, valores, e mesmo a definição do que é ser “humano”, decorre de ensino e aprendizagens, em sociedades distintas e mutáveis.
A consciência deste fato, levou e leva muitos (as/es) de nós a nos dedicarmos à educação. Em decorrência desta escolha existencial realizamos pelo Departamento de Ciências Sociais, Núcleo de Ciências Humanas/UNIR), o “Seminário de Etnologia Indígena de Rondônia e Pensamento Social Brasileiro”. Na segunda palestra deste evento (em 25-03-2022): “Terra, Vida e Etnoconhecimento: A Educação Escolar Indígena Tupari”, a sala virtual do Seminário foi invadida em ato de vandalismo, com o objetivo de impedir a extensão do conhecimento universitário à sociedade, e em clara expressão de ódio aos povos originários do território denominado Brasil.
Reafirmamos nossa disposição em defender a livre produção e a divulgação dos conhecimentos científicos e humanísticos, em parâmetros de diálogos respeitosos. O processo histórico de colonização pela subjugação dos povos produziu representações sociais etnocêntricas e racistas sobre os povos africanos e ameríndios, levando a muitos de nós a desconhecer o elevado grau civilizacional destes povos multimilenares. O contato com estes povos feito pela Antropologia e por outras áreas de conhecimento, impulsionou e impulsiona o conhecimento no campo das Ciências Sociais, da Arqueologia, da Medicina, do Direito, das Engenharias, da Arquitetura, da Filosofia, das Artes e da Literatura (para citar apenas algumas áreas de conhecimento), no Brasil e no Mundo.
O território denominado Rondônia, é uma área de estudos antropológicos de importância mundial, em particular, pela monumental obra de Claude Lévi-Strauss; mas também, Roquette- Pinto, Bety Mindlin, Aparecida Vilaça, Eduardo Viveiros de Castro, Carmen Junqueira, Felipe Vander Velden (entre outros/as). Portanto, Rondônia é uma das áreas mais importantes para os diversos estudos que permitem o alargamento da nossa compreensão do humano. Essa compreensão hoje é pormenorizada pelas diversas etnografias produzidas na pós-graduação da UNIR e de outros centros universitários; e de modo muito especial, pelo trabalho de conclusão de cursos de estudantes indígenas da Licenciatura em Educação Intercultural do campus da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), em Ji-Paraná (RO).
Estes estudantes indígenas cumprem também a fundamental tarefa de educar as suas novas gerações, como professores (as/es) em suas terras indígenas, praticando a interculturalidade entre os saberes ocidentais escolarizados, e o conhecimento legado pelos idosos e idosas de suas sociedades.
Por tudo isto, defendemos a produção de conhecimentos e práticas que garantam o ingresso e a permanência de estudantes indígenas na Universidade. Infelizmente, temos a informar à sociedade, que esta condição está́ sendo negada aos indígenas e quilombolas, pelo não reajuste nos ínfimos valores das bolsas estudantis e, mais ainda, pelos cortes no quantitativo destes auxílios.
Por fim, esclarecemos que os povos afro-americanos e ameríndios, que são as duas matrizes que, ao lado da matriz europeia, formaram o povo brasileiro, não são “vítimas passivas” dos processos brutais acima referidos e não são “peças de museu”; ao contrário, estão no centro das problemáticas contemporâneas, a exemplo das pautas ambientais. Lutaram e lutam política e espiritualmente, junto com seus caciques, pajés e as suas novas lideranças, por vida humanamente digna.
Assim, apoiamos estes povos em suas árduas trajetórias de luta no enfrentamento da ferocidade que se abateu e se atualiza contra eles, no processo de expropriação de seus territórios e culturas, que são a base de suas sociedades (como de qualquer outra sociedade humana).
Profª Dra. Arneide Bandeira Cemin (DACS\NCH\UNIR)
Prof. Dr. Ari Miguel Teixeira Ott (DACS\NCH\UNIR)
Profª Dra. Maria Berenice Alho da Costa Tourinho (DACS\NCH\UNIR)
Porto Velho, RO, 26 de março de 2022.
Fonte: DACS - UNIR